By Taís Capelini - 11 de setembro de 2012
Guaraci Diniz recompôs 80% da mata de seu sítio e criou a
primeira Reserva Particular de Patrimônio Natural de Amparo (SP); hoje,
obtém da propriedade 87% do que precisa para viver
Por Tânia Rabello, no EcoDebate
Há quatro anos, em uma pequena parcela do Sítio Duas Cachoeiras, de
30 hectares, em Amparo (SP), região de Campinas, despontavam, numa área
que antes era pasto degradado, mudinhas de árvores nativas
recém-plantadas. As espécies que compuseram o reflorestamento da vez –
assim como das várias outras vezes – foram escolhidas de maneira
curiosa: com o Cartório de Registro de Imóveis de Amparo, em antigas
escrituras de terras da região. O proprietário do sítio, Guaraci Diniz
Júnior, lembra da busca, feita em parceria com o historiador Roberto
Pastana Teixeira Lima. “Acidentes naturais, como rios e montanhas, eram
usados para demarcar o limite das propriedades”, comenta. “E também
árvores.”
Assim, sabia-se que, do angico branco, contando-se cem passos, até a
margem do Rio Camanducaia, tinha-se parte do limite de uma fazenda. De
lá, virava-se à esquerda, chegando ao jequitibá-rosa, próximo à
paineira. A candeia ficava ali, encostada numa grande rocha oval, e
também servia como ponto de demarcação de limites. “Detectamos, nesses
registros, cerca de cem espécies de árvores ocorrentes na vegetação da
região”, diz Diniz, que pôde recompor o histórico florestal de uma área
bastante desmatada.
As mudas nativas Diniz vem obtendo, nos 25 anos em que já faz esse
trabalho de recomposição florestal, de várias maneiras. Por meio de um
pequeno viveiro próprio, e também do Consórcio das Bacias dos Rios
Piracicaba-Capivari-Jundiaí; de parcerias com viveiristas e até com
empresários interessados em neutralizar as emissões de carbono,
financiando o plantio de árvores nativas dentro do Programa Estadual de
Microbacias da Secretaria de Agricultura paulista.
O plantio e a manutenção das mudinhas plantadas há quatro anos – 5
mil, no total, em 4,8 hectares – foram bancados voluntariamente pelo
empresário Samuel Lopes de Oliveira, dono de uma gráfica em Santo André
(SP), que com isso neutralizou no mínimo 40 toneladas de carbono/ano,
levando-se em conta todas as atividades da gráfica.
Há quatro anos eram mudinhas isoladas numa árida área de pasto.
Agora, ao revisitá-las e vê-las a meio caminho de se transformarem numa
densa floresta, só dá para parafrasear Pero Vaz de Caminha: “Nesta
terra, em se plantando, tudo dá”. Em 2009 foram mais 2 mil mudas e,
recentemente, Diniz plantou 4 mil, em 4 hectares. Em breve, mais um
trecho de mata surgirá.
Há dois anos, parte da área florestal, 6,3 hectares, transformou-se
na primeira Reserva Particular do Patrimônio Natural da região, a RPPN
Sítio Duas Cachoeiras. E assim permanecerá intocada, independentemente
de o sítio mudar de dono ou não.
Vida orgânica
Guaraci Diniz seria um sitiante como qualquer outro que precisasse ou
quisesse reflorestar sua propriedade, não fosse o propósito que se
incumbiu – ou foi incumbido, por força das circunstâncias -, de tentar
viver o mais organicamente possível. “Sou de São Paulo. Quando vim para o
sítio, foi para morar mais perto da faculdade, que fazia em Campinas”,
diz. “Quando a gente vem morar numa propriedade rural e percebe todas as
necessidades do local, começa a pensar em como atendê-las, não
necessariamente gerando receita, mas sobretudo sem gerar despesa.”
Adubos verdes
Começou por cultivar o próprio alimento. E a pesquisar como fazê-lo
da maneira mais saudável e menos custosa possível – sem o uso de adubo
químico e agrotóxicos -, só fertilizando a terra com o que a própria
natureza oferece, como adubos verdes, obtidos dos próprios restos de
culturas. Foi se enfronhando no universo da agroecologia e partiu para a
agrofloresta, cultivo que tenta imitar a biodiversidade de uma floresta
tropical ou é feito dentro da própria mata. Então, além do alimento,
começou a formar uma floresta que abrigasse as plantas cultivadas.
Hoje o Sítio Duas Cachoeiras tem 80% de sua área reflorestada. São 7
hectares de mata com mais de 50 anos, que já existiam, e mais 17
hectares de floresta reintroduzidos por Diniz.
O resultado do trabalho foi aparecendo. “De uma nascente e meia –
porque uma secava no inverno -, hoje tenho cinco, com água abundante.”
Seu modo de vida mudou e a sustentabilidade do sítio pôde ser provada em
números. Há dez anos, o Laboratório de Engenharia Ecológica e Aplicada
da Unicamp calculou o índice de sustentabilidade do Sítio Duas
Cachoeiras: 87%.
Ou seja, 87% das necessidades da propriedade são atendidas ali, desde
alimentos até energia – painéis solares dão conta do aquecimento da
água e de fornecimento de eletricidade, além de rodas d’água instaladas
no ribeirão que corta a propriedade e forma duas cachoeiras. “É o que se
consegue quando se trata a terra como um organismo; nós fazemos parte
dele”, ensina. O aprendizado desses anos se transformou em consultorias,
que presta não só na região, mas aos interessados de todo o País,
ensinando a quem quiser sobre manejo agroecológico de sítios,
recomposição florestal, sementes e agrofloresta.
Outro estudo feito no sítio, também da Unicamp, detectou a
importância da manutenção ou recomposição da cobertura vegetal nas áreas
rurais para a produção de água limpa e abundante para a população. “Com
a floresta recomposta, contribuímos com o aumento da capacidade de
abastecer de água de excelente qualidade o distrito de Arcadas, em
Amparo”, garante. Esse estudo demonstrou que somente a área reflorestada
no sítio produz o equivalente a 1,5% da água necessária para o
abastecimento da área urbana de Amparo.
Em um terceiro estudo, o pesquisador Thiago Roncon, da Universidade
Federal de São Carlos, provou que floresta em pé vale mais que soja, por
todos os benefícios econômicos e ambientais ao entorno. “Quando se fala
em pagamento por serviços ambientais, como querem os governos federal e
estadual, essas contas deveriam ser levadas em consideração. Os
benefícios que uma propriedade preservada gera para a comunidade são
infinitamente maiores que os R$ 200 por hectare que o governo estadual
se propõe a pagar para os produtores.”
Antes e depois. Nas fotos que mostram o antes e o depois do sítio, é
patente a transformação da paisagem. De pastos degradados – cenário
ainda presente nas propriedades vizinhas -, o sítio virou oásis.
Literalmente, pois no período seco é comum vizinhos virem lhe pedir água
para dar às criações ou às lavouras, ainda tratadas convencionalmente e
com nascentes intermitentes.
“Infelizmente, os agricultores do entorno ainda adotam práticas
convencionais, com adubos químicos e agrotóxicos e sem controle da
erosão.” Assim, não é possível evitar a contaminação do Ribeirão do
Mosquito, que divisa a propriedade e faz parte de área de preservação de
mananciais.
Hoje Diniz ainda mantém uma pequena área de pasto rotacionado para
cerca de 30 ovelhas e 6 cavalos. “Todos os animais aqui morrem de
velhos”, diz o sitiante, que teve um cavalo que viveu surpreendentes 31
anos. As ovelhas hoje contribuem para a retirada da lã, que a mulher de
Guaraci, Cecília, usa para fazer tapetes e tecidos em cursos de
tecelagem, com corantes naturais, tirados de plantas como urucum,
barbatimão, anileira e curcuma.
O próximo passo agora é garantir a viabilidade da RPPN, atraindo
investidores socioambientais interessados em contribuir com o plano de
manejo, que todo proprietário de reservas do gênero tem de fazer. “Assim
manteremos as atividades de educação ambiental com escolas e de visitas
de pesquisadores interessados em conhecer mais a fundo o nosso
trabalho”, diz. “Eles sempre constatam que, se bem tratada, a terra
responde, e rápido.”
Fonte: Outras Palavras
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