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domingo, 5 de fevereiro de 2012

Urinoterapia



Bebe a água da tua própria cisterna, e das correntes do teu poço. (Provérbios 5:15)

O termo urinoterapia se refere a um dos vários usos da urina para prevenir ou curar doenças, aumentar a beleza ou limpar o interior do organismo. A maioria dos adeptos bebe a porção intermediária de sua urina matinal. Alguns a preferem pura e fumegante, outros a misturam com sucos ou a servem com frutas. Alguns preferem duas gotas misturadas com uma colher de sopa de água, aplicadas sob a língua várias vezes ao dia. (...) Alguns se lavam com o próprio fluido dourado para melhorar a qualidade da pele. Afirma-se que muitas japonesas praticam o banho de urina na atualidade. Os mais ousados a usam como enema. A urina é o elixir favorito de muitos homens santos da Índia, onde o ato de bebê-la é praticado há milhares de anos. A bebida também é o estimulante preferido de um número crescente de naturopatas. A urina sempre está disponível, todos carregam consigo um estoque dela o tempo todo e, para a maioria das pessoas, não há efeitos colaterais tóxicos.

Muitos de seus defensores afirmam que a urina é uma panacéia. Não há praticamente nada que ela não cure. Dizem ser eficaz contra a gripe, o resfriado comum, fraturas, dor de dente, pele ressecada, psoríase e todos os outros problemas da pele. Afirmam que ela detém o envelhecimento e que é útil contra a AIDS, alergias, mordidas de animais e cobras, asma, doenças cardíacas, hipertensão, queimaduras, câncer, intoxicações químicas, catapora, inflamações intestinais, constipação e pneumonia. Dizem ser eficaz contra disenteria, edemas, eczemas, irritações nos olhos, fadiga, febre, gonorréia, gota, sangue na urina, varíola, doenças imunológicas, infecções, infertilidade, calvície, insônia, icterícia, hepatite, sarcoma de Kaposi, lepra, doenças linfáticas, urticária, enjôo matinal, ressaca, obesidade, papilomas, parasitoses, úlcera gástrica, reumatismo, marcas de nascença, derrame, congestão, dores lombares, tifo, gastrite, depressão, herpes, tuberculose, tétano, mal de Parkinson, pé-de-atleta, diabetes e outras doenças endocrinologicamente relacionadas.


Apesar das alegações feitas pelos autores de livros sobre urinoterapia, os indícios científicos que recomendariam que todos passássemos a beber a própria urina são paupérrimos. Segundo os urinófilos, o establishment médico está conspirando para nos manter ignorantes a respeito do remédio milagroso que todos carregamos na bexiga. Um auto-proclamado expert no assunto afirma

  • ...a comunidade médica já está ciente da eficácia espantosa dela [urina] há décadas, e mesmo assim nenhum de nós jamais foi informado sobre isso. Por que? Talvez eles pensem que é muito controvertido. Ou talvez, mais precisamente, não haja nenhuma recompensa monetária por se contar às pessoas o que os cientistas sabem a respeito de um dos elementos de cura natural mais extraordinários do mundo. *

Esse é um argumento comum dos defensores de terapias alternativas: a ganância dos médicos os leva a conspirar contra quiropráticos, terapeutas da quelação, etc.
Além disso, embora seja verdadeiro que alguns dos constituintes da urina estejam sendo usados e tendo seu valor terapêutico real ou potencial testado, não significa que beber a urina de alguém seja terapêutico. Pode ser que se descubra que um dos produtos químicos da urina humana seja eficaz para combater o câncer. No entanto não é provável que beber a própria urina venha a fornecer qualquer substância anti-câncer em quantidade suficiente para trazer qualquer benefício. É também verdadeiro que algumas das substâncias presentes na urina façam bem. Por exemplo, se você estiver ingerindo mais vitamina C (uma vitamina solúvel em água) do que seu corpo precisa ou pode processar, você a excretará na urina. Isso não significa que beber sua urina seja uma boa maneira de se obter vitamina C para o organismo. Uma laranja ou comprimido poderiam ser preferíveis. Entretanto, se seu organismo estiver urinando vitamina C em excesso, caso venha a bebê-la, o seu organismo irá se desfazer dela novamente. A razão pela qual a sua urina contém vitaminas e sais minerais é o seu organismo não ter precisado delas ou não ter conseguido utilizá-las. Reingerir seu excesso de vitaminas e sais minerais é o mesmo que jogar água num copo que já está cheio. Até mesmo a uréia, que pode ser tóxica em dosagens muito altas, está presente em quantidades tão diminutas na urina das pessoas comuns que há muito pouca probabilidade de que alguém se envenene por beber a própria urina.

A origem dessa prática incomum parece estar em determinados rituais religiosos dos hindus, onde é chamada de amaroli nas tradições religiosas tântricas. A tradição tântrica é conhecida por seu desprezo pelo comportamento convencional como forma de estabelecer a superioridade moral de seus praticantes. Também é possível que essa prática esteja relacionada a superstições baseadas na magia simpática. Como a urina é expelida pelo mesmo órgão usado no sexo talvez se pensasse que ao beber a urina a pessoa estivesse ingerindo algum tipo de energizador sexual. De qualquer forma é improvável que os indianos, 4.000 anos atrás, tivessem razões científicas para beber a própria urina.

Outra idéia bem anticientífica que parece ser aceita pelos urinófilos é de que a urina seja na verdade sangue, visto que é o subproduto da filtragem do sangue pelos rins.

Outra alegação enganosa feita pelos urinófilos é que o fluido amniótico não seja nada mais que urina: urina fetal. Se é bom para o feto, deve ser bom para todo mundo. Eis o que a expert em urina Martha Christy tem a dizer sobre o assunto:

  • . . . o líquido amniótico que envolve os bebês humanos no útero é, essencialmente, urina. Na verdade, o bebê "respira" líquido amniótico cheio de urina continuamente e sem esse fluido os pulmões não se desenvolvem. Os médicos também acreditam que a maciez da pele das crianças e a capacidade dos bebês in utero de se curar rapidamente sem cicatrizes após sofrerem cirurgias pré-natais se devem a às propriedades terapêuticas do líquido amniótico rico em urina.

Algumas das substâncias químicas presentes no líquido amniótico não são encontráveis na maioria das amostras de urina. É enganoso, para dizer o mínimo, afirmar que o líquido amniótico é "essencialmente" urina. Seria mais preciso dizer que ambos são essencialmente água. Não sei a que médicos ela se refere, mas a maioria dos pais dirá que quando seus bebês saíram do útero a pele deles não tinha nada de bonita. São comuns as comparações com ameixas secas, assim como a comparação com a pele de uma pessoa que ficou na piscina por muito tempo. A pele do bebê só se torna macia depois de ter ficado fora de seu ambiente líquido por algum tempo. Existe uma razão para isso, segundo Kim Kelly, médica naturopata e enfermeira de Seattle. Recém-nascidos não produzem óleo em suas glândulas sebáceas até várias semanas após o nascimento, razão pela qual freqüentemente parecem ter uma pele seca e escamosa. Em lugar do líquido amniótico contribuir para uma pele macia, segundo Kelly, os bebês no útero são protegidos pelo verniz, substância cremosa que serve de barreira entre o bebê e o líquido amniótico. Assim, a não ser que sua urina seja rica em verniz, é improvável que usá-la como loção para a pele funcione como um umectante.

O que é a urina? A urina é geralmente amarelada ou transparente, dependendo da saúde e da dieta da pessoa. Possui geralmente um odor semelhante ao da amônia, devido aos resíduos nitrogenosos que compõem cerca de 5% do líquido (os 95% restantes são água). É um fluido ligeiramente ácido, que transporta o que foi rejeitado pelo rins para o mundo exterior. Os rins têm milhões de nefrônios que filtram toxinas, rejeitos, água e sais minerais ingeridos, retirando-os da corrente sangüínea. Regulam a acidez do sangue excretando sais alcalinos excedentes, se necessário. O principal componente dos rejeitos nitrogenosos da urina é a uréia, produto da decomposição de proteínas. A uréia é, entre outras coisas, um diurético. Um adulto médio produz de um a dois litros de urina por dia. A bexiga, onde a urina é armazenada para descarga, tem uma capacidade média de cerca de 450-550g de líquido, embora a micção média seja aproximadamente a metade disso. Além do ácido úrico, amônia e creatina, a urina consiste em muitos outros rejeitos em quantidades diminutas.

O fato de ser um rejeito não quer dizer que uma substância seja tóxica ou nociva. Significa que o organismo não pode absorvê-la no momento. Poderíamos pensar em cada um dos componentes da urina como se fossem sobras de uma refeição. Poderíamos jogar fora o excesso de comida ou comê-lo mais tarde, após diluir bem com água e bater no liqüidificador. Com a urina, infelizmente, não podemos ingerir os rejeitos na forma que eles tinham quando foram ingeridos inicialmente.

Para a maioria das pessoas, na maior parte do tempo, não é provável que a própria urina seja prejudicial. No entanto, também não é provável que ela seja saudável ou útil, a não ser naquelas ocasiões raras em que uma pessoa fica soterrada sob um prédio ou perdida no mar por uma semana ou duas. Nessas situações, beber a própria urina pode ser a diferença entre a vida e a morte. Como um tônico diário, porém, há maneiras muito mais saborosas de se introduzir produtos benéficos à saúde na corrente sangüínea.

Além disso, infelizmente nem todos podem simplesmente aderir e começar a beber a própria urina sem efeitos colaterais negativos. A Associação Chinesa de Urinoterapia adverte que

  • Sintomas comuns incluem diarréia, coceira, dor, fadiga, dores nos ombros, febre, etc. Esses sintomas surgem mais freqüentemente em pacientes que sofrem de doenças mais sérias ou de longa data, e podem se repetir várias vezes. Cada episódio pode durar de 3 a 7 dias, mas às vezes podem durar um mês, ou até piorar em 6 meses. É uma pena que muitos abandonem a urinoterapia em virtude desses maus episódios. A reação de recuperação é como a escuridão que precede o nascer do sol. Se a pessoa persiste e supera as dificuldades, pode apreciar a felicidade final de uma vida saudável.

Essas mesmas pessoas aconselham que "Todos os tipos de inflamação de garganta podem melhorar fazendo-se gargarejos com urina, à qual foi acrescentado um pouco de açãfrão" e "beber 30g de urina . . . é mais benéfico para a média das pessoas que um centro médico multibilionário com equipe médica completa." Não fui capaz de encontrar os indícios que eles teriam para comprovar essas afirmações. Talvez tenham sido apresentadas na Primeira Conferência Mundial Sobre Urinoterapia, que teve lugar na Índia em fevereiro de 1996. Ou talvez tenham aparecido em 1998 durante a Segunda Conferência Mundial Sobre Urinoterapia, realizada na Alemanha.

Por que terapias alternativas como a urinoterapia se tornam populares? Provavelmente, a principal razão é que elas parecem funcionar. Para qualquer terapia alternativa popular sempre irá existir um bom número de testemunhos de pessoas que sabem que ela funciona. Elas sabem disso porque a experimentaram e ela as "curou" ou trouxe "melhora" para alguma doença. Não adianta muito argumentar com os crentes que a maioria dos seus males se curaria espontaneamente e passaria, mesmo se não fizessem nada para se tratar. A dor de dente ou espinhas faciais de uma pessoa podem desaparecido após ela ter bebido um copo de seu fluido dourado, mas isso não é indício forte de que tenha havido qualquer conexão causal entre dois eventos. (Veja a falácia post hoc.) Da mesma forma, não é provável que se possa dissuadir um crente observando que muitas doenças melhoram por razões desconhecidas, e que só porque a remissão aconteceu após se beber a urina por um mês não significa que exista alguma conexão causal. E é desperdício de saliva tentar fazer crentes considerarem a possibilidade de que tenham recebido de seu terapeuta alternativo um diagnóstico incorreto desde o início. Assim, nunca foram curados porque nunca houve nada errado com eles.

Provavelmente o motivo mais comum para a "eficácia" das terapias alternativas é o efeito placebo. Muitas doenças têm um componente comportamental, freqüentemente ligado à avaliação subjetiva da dor da pessoa. A crença afeta o comportamento e o comportamento afeta o organismo. Assim, se uma pessoa acredita numa terapia, é freqüente que ela se sinta melhor, pense que se sente melhor e aja como se estivesse melhor, embora não haja nenhuma prova objetiva, como exames de urina ou sangue, raios-x, etc., que provariam que a pessoa melhorou. Além disso, agir de maneira saudável poderia causar melhoras objetivas e mensuráveis. Neste caso, seria equivocado dizer que a terapia foi inútil. No entanto, não foi bem a terapia que levou à melhora, mas a crença na terapia. Alguém poderia dizer: que diferença faz, já que cura é cura? Poderia fazer toda a diferença do mundo. Em primeiro lugar, pode não ter havido uma cura afinal. O simples fato de que o humor de uma pessoa tenha melhorado não quer dizer que ela tenha sido curada. Em segundo lugar, poderia haver uma terapia melhor, que a pessoa está evitando por usar a "alternativa". Em terceiro, o alívio pode ser temporário, quando uma melhor terapia poderia gerar um alívio permanente ou de longa duração. Em quarto lugar, para os que não se beneficiam com a terapia alternativa poderiam haver graves conseqüências, que poderiam ter sido evitadas caso tivessem sido adequadamente tratados desde o início.

Por fim, muitas das pessoas que usam terapias "alternativas" as usam em conjunto com a medicina científica tradicional. Dão os créditos à terapia "alternativa" se melhorarem, e culpam a medicina tradicional em caso contrário.

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