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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Aborto - as mulheres decidem, a sociedade respeita e o Estado garante



No Brasil o aborto é considerado um crime, exceto em duas circunstâncias: no caso de violência sexual (estupro) ou quando há riscos à vida da mulher (Artigo 128, I e II do Código Penal). Mesmo nestes casos, as mulheres encontram enormes dificuldades de efetivarem esse ‘direito’, seja por preconceito de alguém, seja por má vontade de alguma autoridade, etc. A interrupção da gravidez ocorre muitas vezes na clandestinidade, onde pode acontecer sem os devidos cuidados médicos.

A mulheres que têm condições financeiras pagam para abortar com segurança em clínicas com boas condições. Já as que não têm recursos o fazem das formas mais cruéis. Muitas morrem em conseqüência de intervenções inadequadas realizadas por pessoas despreparadas. Outras sofrem seqüelas para o resto da vida. 
 
“Segundo a ONU, pelo menos 70 mil mulheres perdem a vida anualmente em consequência de aborto realizado em condições precárias, não há, no entanto, estatísticas confiáveis sobre o número total de abortos induzidos realizados no mundo nos países e/ou situações em que é criminalizado.” As proibições não impedem o ato, mas tem o tornado mais traumático. “Mundialmente, cerca de 13% da mortalidade maternal é atribuída a abortos inseguros.” (wikipedia, 2010) 
 
Que motivos levam as mulheres a submeterem a tais riscos? Nenhuma mulher chega à situação de aborto com prazer ou com qualquer forma de satisfação, muitas são levadas a isso por contingências sociais espúrias. Outras se decidem pelo aborto coagidas, às vezes vítimas dos homens que não se responsabilizam pela vida que geraram, ou até mesmo da ignorância que não soube proteger-se contra a gravidez indesejada. Há muitos motivos sociais, econômicos ou outros que forçam as mulheres a procurar solução na interrupção da gravidez. Em nossa sociedade falta disposição para discutir esses motivos. Prefere-se criminalizar as vítimas.

Posicionamentos sobre o aborto terão que minimamente evidenciar questões relativas à dor do feto, ao início da vida humana e a liberdade.

Mas quando começa a vida humana? O desenvolvimento humano se inicia quando o ovócito é fertilizado pelo espermatozóide. O desenvolvimento humano é a expressão do fluxo irreversível de eventos biológicos ao longo do tempo, que só pára com a morte. Poderia-se alegar que no caso de uma fecundação há um outra "vida" em jogo e que o aborto seria um "assassinato intra-uterino". Se um feto abortado for um ser humano (e em algum momento ele passa a ser), aquilo ali que se está fazendo é um crime contra a vida e a vítima é totalmente incapaz de se defender. Não é provável que o feto ou embrião seja apenas como apontado por alguns como "portio mulieris vel viscerum", ou seja, porção ou vísceras da mulher. Um feto é, em certa medida, um ser vivo, mas uma medida que lhe impede de viver sem estar dentro do útero da mãe.

Para fins pragmáticos, como por exemplo, tornar uma Constituição eficaz, será preciso formular um conceito operacional da vida, do início da vida, da própria dignidade da pessoa humana, para tal, é válido aceitar uma gradualismo ontológico que não coloca em condições de igualdade a vida de um adulto "independente" biologicamente à um feto dependente organicamente de outro corpo. Uma forma possível de propor este gradualismo em ordem decrescente é: a vida da grávida, a vida do feto, a vida de um animal não-humano, a vida de um vegetal,...Toda esta gradação na densidade ontológica que estabelece uma hierarquia: humano - demais animais - vegetais - minerais, são recortes humanos, poderia ser de outra forma, tudo não passa de átomos, todos os átomos estão de algum modo conectados, dependentes, qualquer movimento que se faz entre eles é relevante somente do ponto de vista das valorações humanas. Deste ponto de vista o bebê não é um outro da mesma forma que sua mãe é um outro, desde ponto de vista nada é um absolutamente outro. Deste ponto de vista o feto também está vivo, mas não do mesmo modo que a grávida. 


Seja como for tornar a vida um valor absoluto é problemático para a liberdade. A morte pode ser em alguns casos preferíveis à vida. É fato que não se pode ter liberdade se não houver vida, mas nem sempre há porque viver sem liberdade. Em alguns casos a morte é apenas um leve desconforto e para algumas vidas a existência pode ser um árduo passar.

Uma vez decidido pelo aborto, até quando tolerá-lo? Na Espanha, por exemplo, o aborto é liberado até a 14ª semana de gestação, e até a 22ª semana, caso exista risco para a saúde física ou psíquica da mãe ou se houver má formação do feto. Após a 22ª semana o aborto poderá ocorrer se for detectada uma doença grave ou incurável no feto.
Quanto à dor do feto: “Diversas provas entram em conflito, existindo algumas opiniões defendendo que o feto é capaz de sentir dor a partir da sétima semana enquanto outros sustentam que os requisitos neuro-anatômicos para tal só existirão a partir do segundo ou mesmo do terceiro trimestre da gestação. 

Existe também a possibilidade de que o feto não disponha da capacidade de sentir dor, ligada ao desenvolvimento mental que só ocorre após o nascimento.” Seja como for não é uma precaução qualquer o uso de anestésicos para diminuir o provável sofrimento do feto. Se o aborto é uma violência, é uma violência maior obrigar alguém a manter um feto que não deseja no próprio útero. O mais coerente é legalizar e educarmos. O aborto é menos grave do que a sua criminalização.

A frase a seguir é do ex-ministro da saúde, do governo Lula, José Gomes Temporão: "Se os homens engravidassem o aborto já seria legal há tempos." É fácil decidir sobre o corpo do outro já que não somos nós os obrigados a carregar por nove meses um humano em desenvolvimento no próprio ventre.

Merece atenção um outro fato: as consequências a longo prazo para a criança não desejada. Muitos membros de grupos pró-escolha consideram haver um risco maior de crianças não desejadas (crianças que nasceram apenas porque a interrupção voluntária da gravidez não era uma opção, quer por questões legais, quer por pressão social) terem um nível de felicidade inferior às outras crianças incluindo problemas que se mantêm mesmo quando adultas, entre estes problemas incluem-se: 

 
  • doença e morte prematura
  • pobreza
  • problemas de desenvolvimento
  • abandono escolar
  • delinquência juvenil
  • abuso de menores
  • instabilidade familiar e divórcio
  • necessidade de apoio psiquiátrico
  • falta de auto estima 
     
Talvez estes argumentos não são tão consistentes pelo fato de uma "situação de vida" não ser passível de comparação com uma "situação de morte", visto a inverificabilidade desta enquanto situação possivelmente existente (a chamada "vida após a morte") pelos métodos científicos disponíveis. 
 
Expostas algumas considerações, temos alguns fundamentos para nos posicionar politicamente pela primazia do direito da mulher grávida sobre o direito do feto ou embrião e pleitearmos uma mudança na legislação para que o aborto não seja considerado como um crime. Crime deveria ser obrigar mesmo que indiretamente as pessoas a levarem a cabo uma gestação. 
 
A descriminalização do aborto é parte da solução, mas além dela há uma série de importantes medidas preventivas:

1.promover uma educação sexual adequada e conscientizar para a necessidade do planejamento familiar; 
 
2.reavaliar a prática sexual masculina e insistir em que os homens assumam a responsabilidade pela vida que geram;

3.facilitar o acesso a métodos contraceptivos e a informação sobre estes, para evitar que gestantes se vejam em situações em que a única saída parece ser o aborto;

4.pressionar o Estado para que seja cumprido o direito de nascimento em condições dignas, e implementação de políticas sociais públicas que permitam seu desenvolvimento sadio e harmonioso, inclusive assegurar vida digna a toda vida já existente. Ao nascituro com deficiência, garantir todos os métodos terapêuticos e profiláticos existentes para reparar ou minimizar sua deficiência. 

5. promover uma educação que seja capaz de impedir que a legalização do aborto não leve a banalizar sua prática e nem a uma desvalorização generalizada da vida.

6. Creches públicas e gratuitas,

A educação só é frutífera em liberdade. Pela vida, mas a vida sob vontade!

Referências:
"Espanha aprova nova lei do aborto" in: http://coletivodar.wordpress.com/2010/02/25/espanha-aprova-nova-lei-do-aborto/ (acesso em 2010)

Descriminalização do Aborto: defender a vida, sim!” Por Coletivo Feminista da ExNEL. In: http://coletivofeministaexnel.blogspot.com/ (acessado em 5 de Outubro de 2010)

DANTAS, Gilson. "É preciso respeitar o direito da mulher ao seu próprio corpo" , Brasília, 2009.

Manifesto contra a criminalização das mulheres que praticam aborto: http://www.petitiononline.com/abortole/petition.html

 
TERRIBIL, Alessandra. Estatuto do Nascituro: mais uma aberração a ser combatida. In: http://www.pt.org.br/portalpt/secretarias/-mulheres-16/artigos-141/estatuto-do-nascituro:-mais-uma-aberracao-a-ser-combatida-4634.html (acessado em 05 de Outubro de 2010)

“Por todas as mulheres.” 28 de Outubro de 2010. Vídeo produzido pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) in: http://vimeo.com/15358185 (acessado em 06/10/2010)

Um comentário:

  1. Rapaz, esses conservadores são realmente alguma coisa, não são? Eles são todos a favor dos não-nascidos. Eles fariam qualquer coisa pelos que ainda não nasceram. Mas uma vez que você tenha nascido, aí você está por sua conta... Esses conservadores pró-vida são obcecados com fetos da concepção até os 9 meses. Depois disso, eles não querem mais saber sobre você. Não querem te ouvir. Nada, nada. Nada de atendimento neonatal, nada de creches, nada de vantagens, nada de merenda na escola, nada de vale refeição, nada de bem estar, não, nada. Se você ainda não nasceu, está tudo bem. Se você está na pré-escola, está ferrado. - George Carlin

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