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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Causa, efeito e liberdade


Se o mundo é regido por causa e efeito qual o espaço que sobra para a liberdade? O problema consiste em reconciliar a consciência cotidiana de nós mesmos como agentes, com a melhor teoria que a ciência oferece sobre nós. O determinismo é uma parte do problema e pode ser definido como a doutrina segundo a qual tudo o que acontece tem uma causa. De uma maneira mais precisa, para qualquer acontecimento a, há um estado qualquer anterior da natureza N, e uma lei da natureza L, tal que, dada L, a se seguirá a N. No entanto, se isso é verdade para todos os acontecimentos, é verdade para acontecimentos como uma ação ou uma escolha. Assim, as ações e as escolhas são determinadas por algum estado anterior N e pelas leis da natureza L. Uma vez que o determinismo é universal, o próprio estado N é determinado, e assim regressivamente até chegarmos a acontecimentos anteriores ao nascimento de quem escolhe ou age. Acontecimentos estes em relação aos quais o agente não teria qualquer responsabilidade. Caso seja este o caso, então nenhum acontecimento pode ser voluntário ou livre, se com isso queremos dizer que esse acontecimento ocorre unicamente em função da vontade de quem age, podendo o agente ter feito outra coisa. Se o determinismo for verdadeiro, existem estados e leis antecedentes que determinam esses acontecimentos; como é possível, então, afirmar que o agente é responsável pelas ações? As reações a esse problema classificam-se em geral como: (I) Determinismo radical. Essa posição aceita o conflito, e nega que tenhamos verdadeira liberdade ou responsabilidade. (II) Determinismo moderado ou compatibilismo. As reações deste último tipo afirmam que tudo que podemos desejar de uma noção de liberdade é completamente compatível com o determinismo. Em particular, mesmo que nossas ações sejam causadas, muitas vezes é verdade que poderíamos ter feito outra se o tivéssemos escolhido, o que pode ser suficiente para que as ações possam ser responsabilizadas (o fato de os acontecimentos anteriores terem causado as escolhas é tido como irrelevante nessa opção).(III) Libertinismo. Esta posição defende que o compatibilismo é apenas uma fuga, e que há uma noção mais substantiva e real de liberdade que pode ainda ser preservada face ao determinismo (ou ao indeterminismo). Em Kant, enquanto o eu empírico ou fenomênico é determinado e não é livre, o eu numênico ou racional tem capacidade para agir racional e livremente. Mas uma vez que o eu numênico ou racional existe fora das categorias do espaço e do tempo, essa liberdade aparentemente tem um valor duvidoso. Outras respostas libertinistas incluem a sugestão de que o problema está mal colocado, afirmando-se por vezes que não se consegue uma boa definição de determinismo; outras vezes postula-se uma categoria especial de atos de volição incausados; ou sugere-se, ainda, que há duas maneiras independentes mas consistentes de ver um agente, a saber, a científica e a humanista, e que só a confusão entre as duas faz o problema parecer premente. Nenhuma dessas respostas conseguiu uma aceitação geral. E você o que pensa sobre isto?

Referência:
Dicionário Oxford de Filosofia – Simon Blackburn – Jorge Zahar Editor – Rio de Janeiro. p.227-8

Um comentário:

  1. A reflexão sobre o conhecimento da Natureza (nas suas várias aceções) a partir do diálogo com as ciências constitui a Filosofia da Natureza. Esta toma para seu objeto de estudo os objetos de estudo das ciências específicas, mas analisando-o numa perspetiva filosófico - metafísica, visando chegar a uma compreensão abrangente, interdisciplinar e harmónica das diversas imagens da Natureza – nem sempre consistentes –, oriundas das várias ciências.

    Uma visão integrada da Natureza é fundamental para a compreensão que o ser humano tem de si mesmo e da sua relação com o Mundo e com os seus semelhantes, de modo a permitir um melhor equilíbrio e realização pessoal e social, a construção de sociedades mais inclusivas e uma interação mais sustentável com o nosso planeta (estilos de vida sustentáveis nos planos humano e ecológico).

    A questão da causalidade entre os diversos fenómenos naturais é um dos temas atuais que mais desafios coloca ao diálogo interdisciplinar entre cientistas, filósofos e teólogos. Desde os alvores da Ciência Moderna, no séc. XVII, concebeu-se a causalidade a partir de uma noção reducionista (a causalidade bottom-up), entendida a partir das ações exercidas entre objetos elementares, constituintes de sistemas mais amplos. Contudo, a ciência contemporânea veio alertar para os limites desse paradigma reducionista tradicional, chamando a atenção para outro tipo de causalidade (top-down), presente nos sistemas complexos e exercendo-se a partir do seu todo para as suas partes constituintes. A causalidade de tipo top-down tem sido estudada nos âmbitos da física, química, microbiologia, epigenética, biologia evolutiva, fisiologia, neurociências/ciências cognitivas, psicologia, ciências sociais e ciências da computação e da informação. Além disso, a causalidade top-down tem sido tópico de estudo não só no âmbito de cada ciência particular, mas também ao nível da relação entre as várias ciências, o que levanta a questão de saber se esta causalidade tem vários tipos, sendo, portanto, multifacetada e complexa. Por outro lado, esta causalidade está ligada à emergência contextual da complexidade ao longo do processo evolutivo do cosmos, relacionando fenómenos entre níveis vizinhos da hierarquia de sistemas complexos, sendo também de grande relevância para o estudo da mente, da ética e do fenómeno religioso.

    É particularmente relevante para a investigação atual sobre os aspetos filosóficos da causalidade abordar os seguintes tópicos: como se relacionam os níveis superiores e inferiores de causalidade; quando é que variáveis de níveis superiores podem ou não ser obtidas por “granulação grossa” (coarse graining) de variáveis de níveis inferiores, nas diferentes ciências; como identificar níveis de causalidade e emergência em estruturas complexas; se a causalidade top-down é real ou é apenas um epifenómeno de níveis inferiores; qual a relação entre causalidade top-down, emergência contextual de complexidade e reducionismo (causalidade bottom-up), particularmente no contexto da suposta “completude causal” da física fundamental; em que medida a causalidade top-down é prevalente em física quântica.

    Fonte: http://www.anpof.org/portal/index.php/pt-BR/comunidade/agenda/item/15260-as-entranhas-da-natureza

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