Filosofia: Ensino e Pesquisa

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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A Assistência Estudantil no Brasil na Perspectiva dos Direitos Sociais

Antonio Marques

A discussão por assistência, enquanto direito, desponta no Brasil, a partir do movimento pela promulgação de uma nova Constituição desencadeada em meados de 1985. Neste período se insere um importante marco histórico da preocupação e discussão da política de assistência estudantil no interior das IFES, foi a criação em 1987 do Fonaprace - Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis –, órgão assessor da ANDIFES – Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior. O Fonaprace foi criado com a finalidade de promover a integração regional e nacional das Instituições de Ensino Superior. Hoje os principais objetivos deste fórum são:

Garantir a igualdade de oportunidades aos estudantes das IFES na perspectiva do direito social;

Proporcionar aos alunos as condições básicas para sua permanência na instituição;

Contribuir na melhoria do Sistema Universitário, prevenindo e erradicando a retenção e a evasão escolar, decorrentes também das dificuldades sócio-econômicas.

Para isto o Fonaprace realizou duas pesquisas nacionais sobre o Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das IFES Brasileiras (1997 e 2004) que possibilitou diagnosticar a situação desses estudantes.

Outro marco desse processo é a Constituição Federal de 88. Ela é um marco fundamental porque trouxe uma nova concepção para a Assistência Social, incluindo-a na esfera da Seguridade Social. Ela reconheceu a assistência como política social que, junto com as políticas de saúde e de previdência, compõem o tripé do Sistema de Seguridade Social brasileiro. Portanto, pensar esta área como política social de direito é uma possibilidade recente. Segundo Sposati (2004, p.42), a Política de Assistência Social inscrita na CF/88 contesta o conceito de população beneficiária como marginal ou carente, o que seria vitimá-la, pois suas necessidades advêm da estrutura social e não do caráter pessoal tendo, portanto, como público alvo os segmentos em situação de risco social e vulnerabilidade, não sendo destinada somente à população pobre. A CF/ 88 ofereceu a oportunidade de reflexão e mudança, inaugurando um padrão de proteção social afirmativo de direitos que supera as práticas assistenciais e clientelistas. Com ela a educação se tornou um direito público devendo ser dirigida a todas as classes sociais e a todos os níveis de idade, sem qualquer tipo de discriminação, devendo o Estado proporcionar condições para que todos tenham acesso de modo igualitário. Para regulamentar e institucionalizar os avanços alcançados na CF/88 tornou-se imprescindível a aprovação de leis orgânicas. A Assistência Social teve sua Lei Orgânica – LOAS, sancionada em dezembro de 1993, pelo presidente Itamar Franco.

Com os marcos legais da CF/88 e da LOAS a assistência social alcança o status de política social, convergindo ao campo dos direitos, da universalização do acesso e da responsabilidade estatal. A LOAS introduz novos significados à Assistência Social. Ela pressupõe em seu planejamento e controle os princípios de gestão descentralizada e compartilhada; o co-financiamento das três esferas de governo; a descentralização político-administrativa, a aproximação das particularidades e demandas regionais e a primazia da responsabilidade estatal. Com ela a assistência torna-se uma política setorial não contributiva e orienta-se pelos direitos de cidadania e não pela noção de ajuda ou favor. Com a LOAS a assistência passa de um direito moral, espontâneo, esporádico para um dever legal. Passa do campo do assistencialismo, do clientelismo e da tutela para ser reconhecida como direito do cidadão e dever do Estado.

No entanto, no período pós-CF/88, evidenciam-se fortes inspirações neoliberais nas ações do estado no campo social. Tais transformações comprometeram a efetivação da LOAS. Se, por um lado, os avanços constitucionais apontam para o reconhecimento de direitos e permitem trazer para a esfera pública a questão da pobreza e da exclusão, por outro a inserção do estado brasileiro na contraditória dinâmica das políticas econômicas neoliberais, colocou em andamento processos desarticuladores, de desmontagem e de retração de direitos. (YASBEK, 2004, p.24)

A política econômica do governo FHC foi nociva para as IFES e para a sociedade. Como problemática, podemos citar a defasagem salarial, a falta de verbas para a manutenção e pesquisa; o êxodo de professores das universidades públicas para as universidades particulares, a aposentadoria em massa, a não reposição das vagas de docentes e funcionários técnico-administrativos e a contratação de professores substitutos.

É neste contexto que o Banco Mundial passa a atuar com maior incidência como organismo formulador de políticas sociais para os países periféricos. A intervenção deste na condução da política educacional está direcionada para a consolidação do projeto neoliberal. (Banco Mundial, 1995, p 4). Neste contexto também foi aprovada a nova e atual LDB (Lei no 9.394 de 12/96). Sua aprovação foi feita de forma autoritária e excludente. Apesar dela conter dispositivos que amparam a assistência estudantil ela secunda a ideologia neoliberal.

Outro marco histórico e de importância fundamental é o Plano Nacional de Assistência Estudantil que institui o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES, publicado em 13 de dezembro de 2007. Essa conquista é fruto do esforço coletivo de dirigentes, docentes e discentes e consolida um aspecto de uma luta histórica.

Apesar dos avanços ainda há inúmeros entraves para uma ampla democratização do acesso e permanência no Ensino Superior. O Brasil tem um Sistema de Ensino Superior subdimensionado se comparado com o nível internacional e são muitas as causas do atraso educacional em nosso país. No Brasil, dos 615.542 discentes das universidades federais ( MEC/INEP/2009), apenas 10,1% do total de alunos dessas instituições são beneficiados por algum programa de assistência estudantil (Andifes), apesar de cerca de 44,3% pertencerem às denominadas classes C, D e E (UNE, 2006). Ainda assim as despesas com Financiamento Estudantil correspondem ao menor percentual (1,72%), dentre os tipos de despesas efetuados pelas Instituições Federais de Ensino Superior (INEP, 2009) e o percentual de concluintes em relação ao número de alunos que ingressaram quatro anos antes nas Instituições de Ensino Superior (IES) do Brasil, é de 58,1% (MEC/INEP, 2009).

Se todas as pessoas têm direito à educação, só o ensino público e gratuito tem condições de tornar este direito uma realidade. O acesso à escola pública não significa apenas a não cobrança de mensalidades ou anuidades, mas a garantia da permanência do educando. A defesa de uma universidade pública, gratuita e de qualidade deve estar atrelada à defesa de uma política de Assistência Estudantil de qualidade. A democratização do acesso implica na expansão com qualidade da rede pública, na melhoria do ensino público, numa reflexão profunda sobre o caráter excludente do vestibular, bem como na abertura de cursos noturnos e na adoção de cotas sociais, sócio-raciais e sócio-étnicas. A democratização da permanência implica na manutenção e na ampliação dos programas de assistência e na alocação de recursos específicos à assistência estudantil.

Dificuldades no que tange à alimentação, moradia, transporte, falta de material didático, inclusão digital, saúde, falta de creches, violência de gênero, falta de acesso à cultura e ao lazer, conflitos familiares, questionamentos quanto à escolha profissional e outras situações de ordem emocional são sem dúvida causas da evasão e da retenção. Tais fatores contribuem para que os estudantes abandonem o curso ou antecipem sua inserção no mercado de trabalho na tentativa de suprir parte das suas necessidades e as de sua família. Aqueles que não estão sensibilizados para tais reflexões certamente sofreriam um "surto de realidade", caso tivesse a experiência de conviver com o quotidiano e a história de uns e outros. Nesse sentido, na prática cotidiana da assistência social, é igualmente importante ver o ser humano como único, com suas especificidades, mas ao mesmo tempo vê-lo como parte da humanidade. Isto não significa assumir competências de outras instâncias, mas pensar em como elas se conectam e não sermos indiferentes para os problemas sociais relacionados com os indivíduos após saírem do âmbito de competência da própria instituição acadêmica. É preciso um meio termo que não seja um assistencialismo paternalista mas também, que não seja de igual modo, uma orientação burocrática e legalista.

Dentre os diversos aspectos da assistência estudantil vale chamar atenção para os beneficiados com a bolsa chamada permanência. Sobre eles acaba recaindo a responsabilidade de suprir a ausência de servidores. O estudante é invariavelmente explorado por diversos aspectos: desde estar exercendo tarefas que não contribuem para seu desenvolvimento acadêmico – passando pela ausência de vínculos empregatícios e, consequentemente, direitos sociais –, até a baixa remuneração. Neste sentido, a bolsa enquanto instrumento da assistência ao aluno passa a ter um caráter contraditório e o aluno é que passa a suprir as necessidades da universidade. Cabe à universidade e ao governo apresentar um projeto de reposição de servidores.

Entre outros vale também ressaltar a importância de pensar a moradia estudantil, para além de uma Política de Assistência Estudantil mas também ser problematizada e compreendida dentro do debate do acesso aos direitos à cidade e à moradia digna.

De igual modo, as decisões que são tomadas para a Assistência Estudantil em gabinetes, impossibilita a participação dos alunos no processo decisório e acarreta a insatisfação dos beneficiados e da comunidade nos projetos executados. É preciso a participação das representações dos estudantes residentes na gestão democrática e no controle social das residências assim como a participação de representantes dos três segmentos da comunidade acadêmica na formulação das políticas e no controle das ações sociais e políticas em todos os níveis. Gestão compartilhada exige acima de tudo vontade de compartilhar o poder. As instâncias deliberativas são em grande medida esvaziadas e continuarão assim enquanto não forem democratizadas e também serem incluídas no imaginário educacional como espaço de formação e de exercício das práticas sociais. Esta diretriz só se concretiza por um empenho coletivo, por uma reconstrução do tecido social, e esta repolitização não será possível se ela não for incluída como objetivo da educação. Deve se pensar a educação como espaço privilegiado para se pensar o público, o interesse coletivo. Do mesmo modo devemos fortalecer as instâncias de organização estudantis, como por exemplo a SENCE - Secretaria Nacional de Casas de Estudantes, assim como apoiar aqueles que lutam por resgatar por dentro as instituições estudantis em franco processo de degeneração assim como os que canalizam esforços na construção de novos instrumentos de luta.

A trajetória de afirmação da Assistência Social como política social de direito, demonstra que as inovações legais por si sós, são incapazes de modificar de imediato o legado das práticas de assistência social sedimentadas na ajuda, na filantropia e no clientelismo. As mudanças propostas precisam ser compreendidas, debatidas, incorporadas e assumidas por todos os envolvidos no processo de gestão da Política de Assistência Estudantil em todos os níveis. Não é possível falar em assistência sem pensar o espaço cotidiano, capilar, microfísico em que ela ocorre. Por isso uma assistência estudantil não se separa de uma mudança de consciência e de comportamento. Não basta estarmos convencidos de algo é preciso que estejamos persuadidos de algo. O convencimento é racional, informativo. A persuasão toca outras esferas da cognição. Ela se relaciona com os sentimento, com as emoções, com a história de vida de cada ser humano. A persuasão modifica ações, o convencimento não.

Entre as condições que caracterizam o atual cenário brasileiro destacam-se grande desigualdade na distribuição de renda nacional, níveis elevados de desemprego, fome, desnutrição, mortalidade infantil, analfabetismo, acentuadas disparidades inter e infra-regionais, precarização das relações de trabalho, crescimento do setor informal da economia, crise habitacional, deterioração e/ou insuficiência dos serviços públicos e baixa disponibilidade orçamentária em face da demanda social do país. Mais que minimizar a pobreza, precisamos acima de tudo modificar as determinações estruturais que a causa. São desafios, sobretudo em tempos dominados pela economia de mercado, em que a competição é mais forte do que a solidariedade entre os povos.


Referências Bibliográficas:

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

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UNE, União Nacional dos Estudantes. UNE pressiona e reserva 10% do orçamento da educação para assistência estudantil. Matéria publicada no site da UNE em 25/nov/2006. Disponível em < http://www.une.org.br/>. Consulta em 06/dez/2009.

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YASBEK,M.C. As ambigüidades da Assistência Social Brasileira após 10 anos de LOAS . Revista Serviço Social & Sociedade, ano XXV, n° 77, p. 11-29, mar. 2004.

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Texto apresentado no I Seminário sobre a Política de Assistência Estudantil: desafios e perspectivas. UnB. 09/12/2009

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